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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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segunda-feira, 30 de julho de 2007

Como salvar a economia portuguesa?

(Publicado em Maio de 2005 no meu blogue Leviathan, agora extinto)

A pergunta do título é aque a revista Visão faz a sete luminárias - um empresário, um fiscalista e cinco economistas De fora do painel ficam os sindicalistas, os cientistas, os sociólogos, os educadores, os geógrafos, os demógrafos e os especialistas em ciência política - presumivelmente porque a Visão entende que não têm nada de relevante a dizer sobre o assunto.
As luminárias são: Ludgero Marques, Augusto Mateus, Medina Carreira, Miguel Cadilhe, António Carrapatoso, Miguel Beleza e Daniel Bessa.
Entretive-me a fazer um apanhado das soluções apresentadas. Deixando de fora as generalidades estilo «aumentar a competitividade», apurei dezoito medidas, que aqui apresento com o meu comentário por ordem de consenso:

1. Despedir funcionários públicos.

Esta medida foi referida por cinco das sete luminárias. Nenhuma delas disse que funcionários públicos é que deveriam ser despedidos. Serão os profissionais qualificados, como os médicos ou os professores? Dados os vencimentos relativamente elevados que auferem, o seu despedimento permitiria por certo poupanças significativas; mas pensarão as luminárias, a sério, que será possível passar sem eles?
Estarão a referir-se aos polícias? Mas quem vai proteger as luminárias do ressentimento dos marginalizados pelas medidas que eles propõem?
Será então despedida a chusma de «pessoal menor» que limpa os quadros negros nas escolas e vende impressos nas repartições, e que facilmente poderia ser dispensada se houvesse um mínimo de organização? Mas trata-se de gente tão mal paga que com o seu despedimento não se pouparia grande coisa.
Desconfio que quem as luminárias querem despedir - principalmente o Ludgero Marques - são os quadros da Inspecção das Finanças, da Inspecção do Trabalho, dos organismos de protecção do ambiente e do consumidor, e os corpos de investigação especializados nos crimes de colarinho branco. [Nota acrescentada em 2007: O primeiro organismo a eliminar seria com certeza a ASAE].

2. Congelar os salários, especialmente na Função Pública.

Também esta medida tem cinco defensores. um deles, o Carrapatoso, admite alguns aumentos desde que apenas sob a forma de prémios variáveis.

3. Aumentar os impostos.

Aqui o número de defensores já desce para três. O imposto que querem aumentar é o IVA. Compreende-se porquê: se fosse o IRS eles próprios poderiam ser atingidos, e nenhum deles é tanso. Uma das luminárias fala em baixar o IRC. Por mim, até concordo: as empresas até poderiam pagar zero de IRC se os empresários pagassem IRS como toda a gente.

4. Melhorar o sistema educativo.

Duas luminárias referem esta necessidade. Nenhuma das duas esclarece se o que pretende melhorar é a educação, o ensino ou a formação profissional - três conceitos que não distinguem uns dos outros - e no caso de ser a formação o objecto destas melhoras, qual é a contribuição financeira que se pede às empresas, que são as principais beneficiadas.

5. «Flexibilizar» o mercado de trabalho.

Ou seja (julgo eu): precarizar o emprego, desregulamentar os horários, deslocar as pessoas para longe das famílias e dos seus laços sociais conforme convenha às empresas. Como a maior parte dos portugueses já trabalha num mercado «flexibilizado», não se entende até onde se pretende ir com esta medida. Como não se refere nenhum limite, é de recear que se pretenda ir até à escravatura legalizada. Esta medida é defendida por duas luminárias. [Nota acrescentada em 2007: Entretanto apareceu a moda da flexisegurança e ainda não ouvi nenhuma das luminárias pronunciar-se sobre a segurança no rendimento].

6. Simplificar o sistema fiscal.

De novo duas luminárias. O que isto significa, di-lo Carrapatoso: maior convergência das taxas dos vários impostos, ou seja, diminuição da progressionalidade. É mera coincidência, por certo, que elas, as desinteressadas e cientificamente neutras luminárias, só tenham a ganhar com isto.

7. Reduzir as prestações sociais.

Duas luminárias fazem esta proposta. Vá lá, que se trata precisamente das duas que não preconizam despedimentos na Função Pública. Do mal, o menos. Seria, porém, conveniente que dissessem quais são as prestações sociais que querem diminuir ou eliminar e quais as que admitem manter ou aumentar.

8. Cortar nas obras públicas.
A ideia é não deixar dívidas às gerações vindouras - nem património, suponho.

9. Aumentar a idade da reforma.

Realmente, dadas as excelentes condições laborais em Portugal, a cordialidade e leadade que imperam nas relações de trabalho, o pagamento atempado e escrupuloso de todo o trabalho prestado, a boa-fé negocial do patronato, está-se mesmo a ver que o maior desejo dos portugueses é trabalhar até aos 70 ou 80 anos.

Para além disto, uma luminária propõe a adopção generalizada do princípio do utilizador-pagador (sem incluir neste princípio o pagamento pelas empresas da formação profissional); outra luminária - o Ludgero Marques, só podia ser ele - propõe «trabalhar mais» sem se preocupar com o «trabalhar melhor»; outra propõe orçamentos plurianuais; outra ainda - o Ludgero, de novo - «consumir menos» sem dizer a quem se aplica esta recomendável frugalidade.
As cinco propostas restantes, cada uma de autoria duma luminária, são aumentar os preços dos serviços públicos, acabar com os subsídios à cultura, controlar as despesas das autarquias e das regiões autónomas - até que enfim uma medida de jeito - racionalizar as despesas com a saúde e a educação - este havia de ser obrigado a dar aulas no inverno na minha escola - e reduzir o IRC.

No meio disto tudo há certamente coisas que fazem todo o sentido. Outras propostas são claramente feitas no interesse do proponente, não no interesse do País; mas o curioso não é o que está na lista, é o que nela falta.

Onde está, para começar, a reforma do sistema de justiça? Não é porventura consensual entre os estudiosos que o maior entrave à economia portuguesa é a inexistência de um Estado de Direito? Mas aos Ludgeros Marques o que interessa não é a economia portuguesa, é a economia dos Ludgeros Marques; e esta tem muito mais a ganhar com as prescrições, com os recursos infindáveis, com os incidentes processuais, com a incerteza jurídica, do que com uma justiça célere, clara, imparcial e eficaz.

E a reforma do sistema de ensino? Julgarão estes senhores que é possível fazê-la a custo zero? Dizem que em Portugal gastamos tanto com o ensino, em termos percentuais, como os outros países; mas parece que não sabem que para podermos ensinar Matemática como na Finlândia temos que gastar como a Finlândia em termos absolutos - além de que partimos muito de trás e temos por isso que andar muito mais depressa. Sem contar que na Finlândia não há Ministério da Educação - esse monstro que em Portugal absorve a maior parte do orçamento educativo em detrimento das salas de aula, que é onde se devia gastar o dinheiro.

E a repartição dos benefícios? Como é que esperam convencer os portugueses a semear para que sejam outros a colher?

E onde está a política demográfica? Não faria sentido, por exemplo, eliminar o abono de família para o primeiro filho e utilizar o dinheiro assim poupado para o aumentar significativamente para os filhos a partir do terceiro?

E a reabilitação do mercado de arrendamento? Se fosse fácil e barato arrendar uma habitação, não diminuiria a resistência dos trabalhadores a ser colocados onde os empregadores os querem? Diminuiria, por certo, mas também lhes permitiria deslocarem-se por sua iniciativa para onde os empregos fossem melhores, e isto já não interessa tanto às luminárias.

Saneiem as finanças, se forem capazes, mas não se esqueçam que para isso têm que criar as condições políticas; e a menos que estejam a pensar em ressuscitar o Salazar, essas condições políticas passam por dar a quem tem de fazer os sacrifícios razões para confiar em quem lhos pede.

[Nota final: entre o momento em que escrevi este artigo e este ano da Graça de 2007 apareceu em cena o Engº José Sócrtates, que está a pôr em prática tudo o que as luminárias sugeriram. Diz que é uma espécie de socialista].

1 comentário:

L. Rodrigues disse...

Chego tarde a este texto mas a tempo de o cumprimentar. Uma análise ao melhor estilo de Dean Baker, que acompanho regularmente.

www.prospect.org/csnc/blogs/beat_the_press