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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sábado, 7 de julho de 2007

O Prazer da Alusão

Tenho andado desde há umas semanas a reler por ordem todos os romances da série Discworld de Terry Pratchett e a ouvir a obra completa de Mozart.* Por uma destas inevitáveis coincidências que não são coincidências, ambos os projectos me deram ocasião de perguntar a mim mesmo porque é que tenho tanto prazer em detectar alusões no que leio e no que ouço.

Em Pratchett, é claro, a alusão e a paródia são instrumentos fundamentais da escrita.
Wyrd Sisters é um spoof de Macbeth, Witches Abroad reconta a história da Gata Borralheira, Maskerade reinventa o Fantasma da Ópera.

Em
Soul Music as cidades de Ankh-Morpork e Quirm são varridas por uma vaga de Music With Rocks In It, forma musical entre cujos precursores se conta um monge com tendências criminosas: a felonious monk. O enredo segue as aventuras e desventuras duma banda musical formada por um Troll, um Anão e um Humano - este último natural duma região do Discworld não muito diferente do nosso País de Gales - e dá-nos a oportunidade de reconhecer muitos dos actores da revolução Rock'Roll, desde os Beatles a Kurt Cobain, passando pelos Rolling Stones, pelos U2 e pelos editores, empresários, técnicos, groupies e agentes que se movem à volta das bandas.

Também um compositor pode rechear as suas obras de citações, paródias e alusões. O mesmo é permitido a um intérprete ao tocar uma
cadenza.** Foi assim que ao ouvir os Concertos de Piano de Mozart tive a surpresa de ouvir uns compassos da Sinfonia nº 40 na cadenza do 1º Andamento do Concerto nº 21, e uns compassos da Marselhesa no 1º Andamento do Concerto nº 25 - um simpático piscar de olho do pianista Derek Han ao ouvinte.

Porque é que sinto tanto prazer nisto? Em parte porque há aqui um elemento de cumplicidade entre o autor, ou o intérprete, e o leitor ou ouvinte. Em parte porque é sempre agradável encontar inesperadamente um velho amigo. Em parte pelo prazer do jogo: deixa ver quantas alusões consigo detectar. E em parte, sem dúvida, pela vaidade de ter visto, lido e ouvido muito.

Se assim é, valeu a pena. Um sorriso inesperado é coisa rara e preciosa, e uma recompensa adequada para quem acrescentou ao prazer de ler o prazer de ler muito.



* Edição da Brilliance: 170 CD's numa caixa por cerca de 80,00 €, o que perfaz menos de 0,50 € por CD. À venda na FNAC.

** Para quem não sabe o que é uma
cadenza, e com o meu pedido de desculpas a quem sabe, aqui vai uma pequena explicação: em concertos para instrumento solista e orquestra o compositor deixa por vezes alguns compassos para o intérprete improvisar o que entender. Com o tempo alguns intérpretes foram criando o hábito de levar para as salas de concerto partituras destes «improvisos»; e como alguns destes intérpretes eram eles próprios compositores, estas partituras começaram a ser adoptadas por outros intérpretes. Deste modo é hoje possível, por exemplo, ouvir uma cadenza de Beethoven num concerto de Mozart.

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