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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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segunda-feira, 22 de junho de 2009

O que eu não sei sobre o TGV e Alcochete

Dizem os opositores das grandes obras públicas que estes investimentos representam um passivo a pagar pelas próximas gerações. Isto parece-me óbvio, mas também me parece óbvio que representam um activo. O que eu não sei, é se o saldo será negativo ou positivo. Desde logo, no curto prazo, não posso arbitrar a polémica entre os economistas keynesianos e os neoclássicos. Quanto ao longo prazo, não sei (e suspeito que os políticos e economistas que intervêm no debate também não sabem) qual será a cotação do petróleo daqui a vinte ou trinta anos, quanto custará nessa altura uma viagem de avião entre Lisboa e Madrid, se as transportadoras low cost ainda serão viáveis, ou se a fonte de energia que alimentará os comboios será hidráulica, térmica, solar, eólica ou nuclear.

E isto, se ficarmos por um ponto de vista meramente contabilístico: tanto de investimento, tanto de lucro, e depois uma conta de subtrair. Se considerarmos o TGV como aquilo a que os economistas chamam um bem de mérito; e se o considerarmos, não apenas em si próprio, mas como parte de um sistema em que se inclui toda a rede de transportes ferroviário, rodoviário e aéreo da península Ibérica e da Europa - então a questão atingirá um tal grau de complexidade que duvido da possibilidade de construir um modelo computacional que a represente adequadamente.

Isto, por si só, não é razão para que o investimento não se faça, mas também não é razão para que se faça de qualquer maneira; todo o investimento é um risco; mas se a minimização do risco é da esfera de competência dos especialistas, a decisão de o correr é política e situa-se, portanto, na esfera de legitimidade dos cidadãos. Esta legitimidade prevalece sobre a autoridade de 28 economistas, para mais representantes duma só área política e duma só escola económica.

Resta-me, portanto, discutir a questão do ponto de vista em relação ao qual tenho legitimidade: o meu ponto de vista de cidadão e consumidor.

Para ir da Maia a Lisboa, dispenso o TGV. O pendular basta-me - ou bastar-me-ia se a velocidade média se aproximasse dos duzentos e tal à hora de que as composições são capazes e não se ficasse pelos actuais 90 à hora, a que a falta de investimento nas linhas as limita. Num dia de chuva e vento está fora de questão, é claro, desembarcar na Gare do Oriente, mas seguir até Sta. Apolónia não prolonga por aí além o tempo de viagem.

Já para ir a Vigo, o TGV dar-me-ia imenso jeito. Ou para ir a Madrid. Ou mesmo a Alcochete, se a estação ferroviária ficar, conforme o previsto, por baixo do aeroporto.

Do meu ponto de vista, o TGV dá-me jeito, sobretudo, para andar de avião. Na situação actual, estou praticamente limitado ao Aeroporto Sá Carneiro. Se quiser ir apanhar o avião a Vigo, demoro uma hora de automóvel - mas depois não tenho onde o deixar sem pagar um balúrdio de estacionamento. De comboio, demoro três horas: não vale a pena. Se o quiser apanhar em Lisboa, sou obrigado a sair com as malas todas na Gare do Oriente e a meter-me num táxi para a Portela. Três horas e um quarto de viagem, meia hora para o táxi e duas horas de antecedência para fazer o check-in, e já gastei cinco horas e um quarto de viagem antes mesmo de entrar no avião. Para o ir apanhar a Madrid, tenho que ir de avião até Barajas - o pior aeroporto da Península Ibérica - e rezar a todos os santinhos para que um atraso não me faça perder a ligação.

Com o TGV, poderia fazer o check-in na estação de Campanhã, viajar confortavelmente e sem me preocupar com a bagagem até ao aeroporto que mais me conviesse, subir da estação até à zona de partidas sem apanhar chuva e dirigir-me directamente para os portões de embarque, dispensando assim a tal antecedência de duas horas.

Façamos agora o mesmo raciocínio para um habitante de Vigo, de Braga, de Lisboa, de Setúbal, de Évora, de Badajoz, de Madrid. Pensemos nas novas opções que teria um lisboeta que quisesse ir de avião a Buenos Aires, ou um madrileno que quisesse ir ao Recife. E deixemo-nos de clubismos partidários: qualquer decisão sobre este assunto será tomada com base em informação insuficiente, e quanto a isto a situação dos especialistas é pouco melhor que a dos leigos.

4 comentários:

j. manuel cordeiro disse...

Creio que a sua abordagem, mesmo sendo pessoal, é das mais isentas que já li.

Permita-me duas notas. Excepto para a TAP, o lucro ou prejuízo que as transportadoras aéreas tiverem é delas. No TGV será dos contribuintes.

E as infraestruturas são darão retorno do seu investimento se vierem a ser largamente usadas. Por exemplo, o Eurotunnel é extremamente conveniente para quem o usar. Acontece no entanto que o seu uso é reduzido, acabando por ser um sorvedouro de impostos.

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

Vou dizer uma coisa que provavelmente lhe vai parecer uma heresia: o facto de uma estrutura pública útil ser um sorvedouro de impostos não é necessariamente um mal. Se este défice for recuperado nas chamadas externalidades, até pode ser um bem.
Não sei se é este o caso do Eurotúnel, mas vou-lhe dar outro exemplo: o dos caminhos de ferro suíços.

Os comboios suíços são bons, mas são caros e dão prejuízo. Há uns anos, surgiu a proposta de os privatizar. Os argumentos foram os do costume: o sector privado gere melhor que o público; a necessidade de obter lucro leva a ganhos de eficiência; não faz sentido que os utilizadores dos comboios os paguem duas vezes, uma através da compra do bilhete, e outra através dos seus impostos; nem faz sentido que quem não anda de comboio seja obrigado a pagar pelos que andam.

Os opositores da privatização argumentaram com a utilidade pública duma rede ferroviária de malha apertada, utilidade esta que não se pode medir facilmente em termos contabilísticos mas não deixa por isso de ser um facto óbvio.

Ora acontece que a Suíça tem um instrumento de medida para a utilidade quando esta não se pode medir em francos: o referendo. O problema resolveu-se perguntando a cada cidadão se preferia que os caminhos de ferro fossem públicos ou privados; e cada cidadão teve que decidir se preferia pagar menos impostos ou dispor de um serviço de transporte ferroviário orientado por critérios que não fossem os da estrita eficiência empresarial.

Uma rede ferroviária de malha apertada tem desde logo uma utilidade evidente: dá mobilidade a quem ainda não tem idade ou já não tem idade para conduzir um automóvel. Para além disto, reduz a poluição, reduz o tráfico nas auto-estradas, reduz a própria necessidade de auto-estradas (a rede de auto-estradas suíça, comparada com a nossa, é uma coisa incipiente; nem sequer é possível passar de um lado ao outro de Zurique sem passar pelas ruas da cidade), reduz a mortalidade em acidentes de trânsito e a consequente despesa com tratamentos, etc.

Como ambos os lados davam por adquirido, era impossível eliminar completamente o défice financeiro de operação da rede mantendo a qualidade do serviço. Por outro lado, era evidente que as linhas menos rentáveis são justamente, em muitos casos, as mais úteis. Pôs-se então a questão: se não é possível eliminar os custos para o contribuinte, não será possível, ao menos, reduzi-los? E não será possível, ao mesmo tempo, optimizar os benefícios indirectos? Por exemplo, pode-se tirar muitos camiões da estrada se se tornar obrigatório que eles viajem, em certos percursos, sobre vagões de caminho de ferro. Em vez de se estar a gastar dinheiro em gasóleo comprado no estrangeiro, utiliza-se a electricidade produzida nas centrais nucleares suíças.
outra maneira de optimizar estes benefícios consiste em entregar à SBB a responsabilidade pela bilheteira e pelos horários de todas as outras empresas de transporte, sejam elas públicas ou privadas, urbanas ou interurbanas.

É assim possível a um habitante duma aldeia remota viajar para outra aldeia remota no outro extremo do país comprando um único bilhete na estação de caminho de ferro local. Ao mesmo tempo que é emitido o bilhete, é emitido o plano de viagem.

O nosso viajante mete-se então no comboio, viaja até uma cidade à beira dum lago, mete-se num eléctrico que o leva ao cais, embarca num barco que o leva ao sopé dum teleférico, sobe a uma localidade onde pouco depois tem à sua disposição um autocarro que o conduz ao seu destino final. Durante este percurso, utilizou várias empresas, entre públicas e privadas, mas o mais natural é que nem se tenha dado conta disto: tudo o que precisou foi dum bilhete.

Esta eficiência tem um valor que não é facilmente determinável em francos, mas que é determinável nas urnas. Fez-se o referendo, e a SBB continuou a ser uma empresa pública. É um sorvedouro de impostos, sem dúvida: mas são impostos que os contribuintes acham que vale a pena pagar.

A liberdade tem destas coisas.

KW disse...

José,
por muito que se requalifique a linha do Norte, o Alfa não vai andar muito mais depressa por causa do congestionamento.

Fliscorno,
não é só do TGV que o lucro ou prejuízo será dos contribuintes. O dos restante caminho de ferror, das estradas, dos aeroportos, dos portos também.

Todos os sistmeas de transporte ésão subsidiados. Nenhum mais que o rodoviário, uma vez que apenas algumas estradas têm portagens.

j. manuel cordeiro disse...

Mas não, não é por consumir impostos que classificaria de imediatamente como inútil uma estrutura pública. Apesar que o equilíbrio financeiro tem que ser balanceado com o serviço que presta à comunidade.

Não conhecia o exemplo dos caminhos de ferro suíços e desde já agradeço a partilha. Quanto a comboios, conheço dois casos: a CP e o Deutsche Bahn (DB). Sendo natural de perto da Figueira da Foz e tendo feito a universidade em Coimbra, fiz frequentemente a linha do Oeste, com mudança em B-Lares para mudar para o comboio Figueira-Coimbra. Esta ligação foi sempre um caso de desespero. Duas vezes por ano a CP tinha por hábito (penso que ainda o faz) mudar os horários, produzindo aquilo que chamavam de horários de Verão e horários de Inverno. Apesar desta elevada e inesperada taxa de alterações de horários, havia sempre uma coisa com que se podia contar: a ligação entre a linha do Oeste e a linha Figueira-Coimbra nunca estava sincronizada. Lembro-me que houve um ano em que será necessário esperar 50 minutos pela ligação simplesmente porque, conforme previsto no horário, o comboio da linha do Oeste chegava 5 minutos depois de partir um outro que poderia fazer a ligação. Isto há 20 anos. Passado tanto tempo poderíamos pensar que casos como este teriam sido extintos. Pois acabei de verificar no site da CP que o inenarrável continua válido. Por exemplo, há comboio da linha do Oeste que chega à Bifurcacao De Lares (ponto de transbordo para Coimbra) às 10h46. A ligação para Coimbra chega às 11h29, obrigando a 45 minutos de espera. O anterior comboio para Coimbra sai 10 minutos antes, às 10h36.

Outros exemplos na linha do "só visto, que contado não tem piada" é a compra de bilhetes muito bem relatado aqui. Ou a impossibilidade de comprar bilhetes para um percurso completo, dependendo dos serviços (alfa, regional, suburbano) e da concessionária (se incluir a Fertagus). O ponto onde quero chegar é que na CP não existe aquilo que é mais valia de uma rede ferroviárias: o funcionamento em rede.

Já o caso do DB é, simplesmente, outro mundo. Excelente interligação entre todos os transportes públicos, bilhetes especiais para grupos (Bayern Ticket), bilhetes que funcionam em coroas, independentemente do transporte público usado, real possibilidade de ir de um ponto do país ao outro em comboio, pontualidade, segurança (polícia privada nos comboios), comodidade.

Os comboios na Alemanha, apesar de não serem um negócio lucrativo, são uma mais valia. Cá, simplesmente servem para comer impostos. Há que diga que os portugueses são comodistas e preferem o carro. Será mesmo assim? O exemplo dos 45 minutos de espera por uma ligação mostram que há um problema de atitude na CP: indiferença relativamente ao passageiro.

Onde entra o TGV nisto? Entra no aspecto de onde é que se pode investir com ganho para o país: uma rede ferroviária nacional decente e funcional; concluindo as intermináveis obras de melhoramento da linha do norte, permitindo velocidades 200 Km/h e rentabilizando o investimento já feito; melhorando a ligação a Espanha para que se deixe de ir como se fossemos numa carroça. O TGV pode ser muito moderno mas não melhora a infra-estrutura do país. E é um investimento e peras só para ir até Madrid, pois dificilmente alguém o usará para ir até Londres ou Berlim.