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The aim of life is appreciation; there is no sense in not appreciating things; and there is no sense in having more of them if you have less appreciation of them.


..........................................................................................................Gilbert Keith Chesterton
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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Utopias, eutopias e distopias


Nada do que é social e humano é mais real que as utopias. Na sua vertente eutópica, as utopias constituíram sempre o fundamento simbólico e mítico sem o qual nenhuma forma de organização social se sustenta, justifica ou sobrevive. E criam, tanto na vertente eutópica como na distópica, o vocabulário da revolução e da mudança: sem os amanhãs que cantam (ou choram) teríamos, em vez de História, um presente intemporal e eterno - como o dos faraós ou o de Francis Fukuyama.
Aldous Huxley publicou o seu Brave New World em 1932. George Orwell, que não tinha em grande conta este livro ou o seu autor, publicou 17 anos depois a sua própria distopia, Nineteen Eighty-Four. Entre estas duas datas interpôs-se a Segunda Grande Guerra: não admira que na primeira a técnica básica da opressão do Estado fosse a manipulação genética e que na segunda, depois do descrédito em que o regime nazi lançou o eugenismo, as técnicas principais da opressão sejam a lavagem ao cérebro, a crueldade gratuita e a manipulação da linguagem.
Apesar desta e de outras diferenças, os dois textos foram muitas vezes lidos, nas décadas seguintes, como os dois pólos - um hedonista, outro o oposto disto - duma mesma distopia, a que os sinais dos tempos davam e dão plausibilidade. Esta distopia bipolar é identificável em grande parte com a ideia de modernidade; e hoje a invocação da modernidade, sempre na boca dos políticos e dos capitães da indústria, soa aos nossos ouvidos tanto a ameaça como a promessa.
Do texto de Aldous Huxley, o que entrou na linguagem corrente, traduzido para todas as línguas, foi o sobretudo o título: "admirável mundo novo". A expressão é utilizada em toda a parte mesmo por quem nunca leu a obra: das mesas dos cafés aos blogues, das crónicas dos jornais aos debates nos media. Do texto de Orwell, toda a gente utiliza, própria ou impropriamente, expressões como Big Brother, newspeak (que até teve, em português, honras de tradução: "novilíngua"), ou ainda doublethink. Uma coisa é certa: nenhuma destas expressões se teria conservado até hoje no uso corrente se não tivesse referentes no real quotidiano.
A mesma sorte não teve 1985, de Anthony Burgess, publicado em 1978. Um texto anterior de Burgess, também ele distópico, é de longe mais conhecido, talvez pela versão filmada que dele fez Stanley Kubrik: A Clockwork Orange. 1985 recupera alguns temas e tropos deste texto e apresenta-se como um balanço crítico de Nineteen Eighty-Four. Divide-se em duas partes: um ensaio sobre o texto de Orwell e a construção duma distopia alternativa, imaginada por Burgess 29 anos mais tarde. A frase final da primeira parte do livro é: 1984 is not going to be like that at all. Frase corajosa, vinda dum escritor que admirava e respeitava o objecto da sua crítica. E é com ela que Burgess nos autoriza a fazermos nós também o balanço crítico da sua alternativa, decorridos mais que outros tantos anos desde a sua publicação.


Pode ler o texto completo no meu blogue de apoio TEXTOS LONGOS

Nota: Durante os longos dias que demorei a escrever este texto, não deixei de acompanhar os textos a todos os títulos notáveis que o Ramiro Marques tem estado a publicar no ProfEducação, nomeadamente a série "Há um plano para imbecilizar as novas gerações." Não é paranóia: há mesmo esse plano. Espero que a leitura ou releitura dos livros que aqui comento ajude a clarificar as estratégias de marketing político que o apoiam.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Que fazer com tanta riqueza?

Segundo a revista Visão desta semana, o Produto Interno Bruto do planeta duplicou na década que agora, jornalisticamente, termina. Esta duplicação teria permitido qualquer um dos seguintes resultados:

1ª hipótese: duplicar em termos médios o rendimento dos habitantes do planeta, o que poderia ter sido feito:
a) na mesma percentagem para todos, mantendo o nível de desigualdade;
b) em percentagem maior para os mais pobres, diminuindo a desigualdade;
c) ou em percentagem maior para os mais ricos, aumentando a desigualdade.

2ª hipótese: diminuir para metade, também em termos médios, o tempo de trabalho dos habitantes do planeta
a) diminuindo os horários semanais,
b) alargando os períodos de férias,
c) baixando a idade de reforma
d) e/ou aumentando o desemprego.

O que aconteceu na realidade não tem a ver com nenhuma inevitabilidade histórica ou demográfica nem com o funcionamento "normal" do mercado: foi um facto puramente político, isto é, teve tudo a ver com relações de força.

A história do "primeiro produzir, depois distribuir" é, como a última década provou, uma treta. Na próxima década o PIB do planeta pode duplicar de novo, ou triplicar, ou até decuplicar: se as relações de força não se alterarem, nada disto resultará em qualquer diminuição nas desigualdades ou em aumento dos salários, alargamento dos tempos livres ou melhoria da segurança no emprego.

Pelo contrário: os economistas do regime, as estrelas do empresariado e e os comentadores encartados têm saturado os media com os mesmos avisos que já faziam há dez anos, e há vinte: é preciso moderar, ou até diminuir, os salários; é preciso e inevitável aumentar a idade de reforma e o tempo de trabalho semanal; é preciso e inevitável "flexibilizar" - ou seja, precarizar ainda mais - o emprego; é preciso e inevitável diminuir as prestações sociais e dificultar-lhes o acesso; é preciso e inevitável competir sem quaisquer barreiras com os países onde se fuzilam sindicalistas, como se esta competição alguma vez pudesse ser igual ou justa.

É preciso que na próxima década as relações de forças se alterem: é espantoso ver como as "inevitabilidades" se dissipam sempre que isto acontece. E não vão ser os partidos ditos socialistas, trabalhistas ou social-democratas que o farão a partir de cima: temos que ser nós, a partir de baixo. We, the People, como se escreve na Declaração de Independência Norte-Americana. O Povo Soberano: trabalhadores, consumidores, contribuintes, eleitores.

E para começar, podemos apoiar a greve dos funcionários dos hipermercados no próximo dia 24. O que está em causa nesta greve é muito simples: os patrões querem testar a eficácia do celerado Código de Trabalho que um sempre obediente Parlamento lhes ofereceu; os trabalhadores querem ter a liberdade de gerir as suas próprias vidas.

É possível que esta greve não tenha grande adesão: a relação de força não é favorável aos grevistas e muita gente, sem dúvida, irá trabalhar contrariada.

Mas contra os consumidores não têm os empresários qualquer poder de retaliação. Boicotemos os hipermercados e as cadeias de supermercados no dia 24. Se não nos for possível fazer as nossas compras noutro dia, façamo-las no comércio tradicional.

O pequeno comércio pode ajudar nesta luta. Para os patrões, será vantajoso manter os estabelecimentos abertos tanto tempo quanto possível. Para os empregados, trabalhar 12 ou 14 horas neste dia poderá ser tão vantajoso como não as trabalhar para os seus colegas das grandes superfícies; para os consumidores, serão desvantajosos os preços, mas vantajosa a variedade dos produtos disponíveis (numa mercearia fina da Baixa podemos comprar coisas que não há em nenhum hipermercado).

Não é preciso ser de esquerda, e muito menos de extrema-esquerda, para cumprir este dever cívico: basta saber um pouco de aritmética elementar, ter um mínimo de vocação para a liberdade e conservar um resquício de humanidade no coração. E não estar disposto a ser, daqui a dez anos, mais pobre num mundo mais rico.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Desglobalização

O que está a acontecer no Mundo é o que se pode ler aqui.

Mas em Portugal os economistas do regime continuam a preconizar os velhos remédios que quase mataram o doente: salários baixos, insegurança no emprego, asfixia do Estado, desregulamentação da economia, a parafrenália toda do desastre.

E o BCE não ajuda nada: por alguma razão querem lá o Vítor Constâncio... Desconfio que o modelo americano se vai manter na Europa por muito tempo depois de os americanos o terem deitado para o lixo.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Caras perdemos nós, coroas ganha o patrão

Lembram-se de quando a inflação era uma ameaça que impedia o aumento de salários? Se os salários aumentassem demais, diziam-nos os economistas do regime, isso ia aumentar os custos das empresas e consequentemente os preços, do que resultaria, diziam eles, que os salários ficariam na mesma em termos reais.

Pensavam que éramos parvos e que julgávamos que os salários são o único elemento da estrutura de custos de produção. Mas adiante: agora que os preços estão a baixar, e que há quem tema a deflação, seria de esperar que se aproveitasse a conjuntura para aumentar salários. Faria sentido: a deflação tornar-se-ia menos provável, a procura aumentaria e com ela as encomendas, as empresas manter-se-iam mais facilmente em funcionamento e até a produtividade, com um pouco de sorte, podia melhorar: impedidas de se refugiar nos salários baixos, os patrões não teriam outro remédio que não fosse investir, finalmente, na gestão profissional e na inovação.

Sendo os trabalhadores os principais pagadores de impostos em Portugal, melhores salários significariam maiores receitas para o Orçamento de Estado sem necessidade de agravar a carga fiscal.

E estava ao alcance do governo forçar um aumento generalizado dos salários: bastava para tal aumentar significativamente os funcionários públicos e tirar partido do efeito de arrastamento que isto acarretaria.

Mas o que dizem agora os economistas do regime é exactamente o mesmo que diziam antes: Os salários têm que subir pouco, ou ficar congelados, ou até baixar. Vítor Constâncio põe nesta advertência toda a sua autoridade como governador do Banco de Portugal; Teixeira dos Santos diz o mesmo com a sua autoridade de ministro; Silva Lopes e César das Neves com a sua autoridade mediática; e o Primeiro-Ministro cala-se.

Só não explicam porquê. Dantes, ainda alinhavavam uma razão: pouco convincente, mas percebia-se. Agora, os salários têm que se manter baixos porque... porque... põe a televisão mais alto para ver ver se o homem explica porquê... não, não explicou, ou então fui eu que não entendi. Pareceu-me que era porque sim; ou então porque se tivessem salários mais altos os portugueses começariam a ter outras exigências. Mas devo ter percebido mal, não pode ser isso.

Ou será que pode?